segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Effrayé de voler


Tudo começou no dia 17 de julho de 2007, quando o vôo 3054 da TAM perdeu o controle durante pouso na pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, por motivos desconhecidos – ainda sob investigação –, saiu da pista e colidiu, coincidentemente, com um armazém da TAM Express, localizado do outro lado da avenida 23 de maio; no total, 200 mortos. Supõe-se que o motivo tenha sido a falta de condições da pista do aeroporto, o que aumentaria as chances de acidente caso houvesse chuva forte. Seja por falta de grooving – as ranhuras que possibilitam o escoamento da água pluvial – ou por falta de recuo, a pergunta que paira sob as cabeças dos brasileiros assustados com a tragédia – considerada a pior da América Latina – e pasmos diante do descaso do governo e: quando poderemos voar em paz?
Depois de um cansativo ultimo dia em Milão, estava assistindo a CNN enquanto arrumava a mala e uma noticia me chamou a atenção: “plane crashes…”, e só depois de observar que havia um carro do SAMU e homens com o uniforme da policia paulistana foi que atentei para o resto da noticia “…in Sao Paulo”. Mais um acidente, e apenas um dia antes de eu mesma ter que entrar num avião para retornar a terra da garoa. A única coisa que me tranqüilizava, como um oásis no meio do deserto, era o fato de pousar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, meu velho – e seguro – conhecido.
Eu nunca gostei de Congonhas. Sei lá, acho q o fato dele estar no meio da cidade, o que para muitos é um ponto a favor, para mim é um ponto negativo. Quando o aeroporto foi construído, não havia praticamente nada nos arredores. Mas a cidade foi crescendo em volta, o número de vôos tornou-se abundante, os prédios se tornaram cada vez mais altos. O risco aumentou. O medo também.
A notícia repercutiu mundialmente. Assim como eu fiquei sabendo na Itália, um amigo americano também assistiu o jornal naquele dia. Sabendo que eu voltaria das férias em algum dia daquela semana, vendo que o acidente tinha ocorrido na minha cidade e o fato de não me encontrar online na Internet – nosso principal meio de comunicação todos os dias –, ele logo entrou em desespero total. No dia que cheguei ao Brasil, apenas três dias após o ocorrido, entrei na Internet e lá estava ele. Preocupado, me recebeu dizendo “achei q tinha te perdido...”. Para quem quase teve a mãe morta no fatídico 11 de setembro – ela trabalhava no Pentágono, apenas alguns andares acima de onde o terceiro avião caiu -, além de trabalhar no exército, isso tudo assusta. E como assusta.
Eis que cerca de um mês e meio depois do retorno, acabei arrumando outra viagem. Viajaria com duas amigas e meu namorado para o sul, para ir à formatura de uma amiga catarinense em um final de semana, assim, coisa rápida, tipo um bate e volta. Na ida escolhemos viajar de ônibus – opção baseada nos bolsos de cada um dos integrantes do meu ‘entourage’ -, e na volta, devido às aulas do dia seguinte, teríamos que voltar de avião. Quando soube que pousaríamos em Congonhas, quase tive um treco; ligava todos os dias para cada um dos companheiros de viagem e tentava convencê-los de que seria muito melhor pousar em Cumbica, muito mais seguro. Mas ninguém estava afim de pagar quase cinqüenta reais a mais só por uma “frescura minha”; como as mães, preocupadas como sempre, pediram para que viajássemos juntos, fui obrigada a ceder à vontade da maioria. Fomos de ônibus – não consegui dormir um segundo só, porque tinham dois passageiros roncando super alto...Tá vendo, se fosse em avião logo viria uma aeromoça cutucar. Chegamos e chegamos bem, eu só começaria a dar graças a Deus quando dormisse um pouco...
Depois de nos divertirmos muito lá, infelizmente chegou a hora de voltar. Infelizmente teríamos que pegar um avião e pousar em Congonhas. E, após um final de semana de tempo bom, sol, calor, começou a chover em São Paulo. Ao me comunicar com a minha mãe – que sabia do meu medo e deve ter rezado todas as preces que conhecia só para me deixar mais segura – fiquei sabendo que o mau tempo poderia fazer com que o vôo mudasse sua rota e pousasse em Cumbica, uma vez que Congonhas em dias de chuva, ainda sem grooving, ficaria com a pista cheia d’água e o resto vocês já sabem.
Embora tenhamos chegado com antecedência ao aeroporto de Navegantes, a tela que mostrava os vôos indicava que nosso vôo atrasaria cerca de dez minutos. O que era dez se transformou em vinte. O que era vinte se transformou em trinta. E o que era trinta se transformou em quarenta. Atraso devido à chuva forte. E confesso que não posso reclamar muito, pois diante de funcionários da TAM sorridentes e completamente alheios ao que acontecia, um outro vôo, com o mesmo destino do nosso, acabava de ser cancelado. Pude testemunhar ali, na minha frente, o que havia visto na televisão. Pessoas inconformadas, entoando sonoros “que absurdo!” que ecoavam pela sala de embarque, repleta de passageiros de outros vôos, inclusive nós quatro.
Após quase uma hora de espera, liberaram o embarque do vôo 1305 com destino a São Paulo/Congonhas, mais conhecido como ‘nosso vôo’. Diante de um namorado que se distraía com um iPod e de amigas que liam revistas, me senti obrigada a ‘relaxar e gozar’. Sentei na poltrona e vi que estava em um dos assentos que ficam mais no fundo, em cima da asa. “Asa é bom, já li por aí que os passageiros que sentam na asa correm menos riscos, então ta sussa”, pensei meio nervosa e tentando me iludir de que ali seria um lugar ideal.
Quarenta minutos depois – que mais pareceram uma eternidade – estávamos nos aproximando do aeroporto. Não, não era o de Cumbica. À medida que passávamos pelos prédios, eu me afundava cada vez mais no assento. Parecia que aquilo não chegava ao fim. Imagine eu, que nunca tive medo de avião e sempre tentei tranqüilizar quem tinha, me vi ali, passando pelo mesmo apuro. Não é brinquedo não. E depois disso tudo, senti um tranco, que nada mais era do que o trem de pouso tocando o solo e, com apenas uma frestinha dos olhos, pude ver que já estávamos em terra firme. O tormento na minha cabeça só terminou quando encaixamos naquela escadinha, que liga os passageiros recém chegados à sala de desembarque.
Minha vontade era beijar o chão. Minha vontade era rir do quanto eu tinha sido boba. Minha vontade era sair logo dali e dar um abraço em meus pais. E depois do abraço, vi em uma das televisões do aeroporto que dois pilotos que pousariam em Congonhas no dia anterior ao acidente, disseram que ao avistar a pista espelhada (devido ao excesso de água) mudaram sua rota para Cumbica, com medo do que pudesse acontecer caso pousassem ali. E foi aí que percebi que não adiantava ter medo. Que, com ou sem grooving, naquele ou em outro aeroporto, estávamos sempre sujeitos a acidentes. E que só nos restava ‘relaxar e gozar’.


Ao som de: Feist - One Two Three Four

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